Ressignificando o 12 de outubro, o Dia do Respeito à Diversidade Cultural na América Latina
O 12 de outubro é uma data carregada de significados complexos e interpretações divergentes ao longo do globo, especialmente na América Latina. Enquanto na Espanha o dia é celebrado com orgulho como a Fiesta Nacional ou o Día de la Hispanidad, a América Latina utiliza a data pra promover a memória, a resistência e o reconhecimento das culturas indígenas e afrodescendentes, ressignificando um evento marcado pelo colonialismo e pela violência. É um dia que carrega o peso d e uma dor histórica, mas também da força daqueles que resistiram e ainda resistem.
“Descobrimento da América”
Para entender a origem da celebração espanhola, é necessário voltar ao dia 12 de outubro de 1492, quando Cristóvão Colombo, perdido no Atlântico, desembarcou no continente americano.
Pra os europeus, esse evento marcou o início da chamada “Era das Descobertas”, uma época de expansão econômica e territorial. No entanto, o que pra Espanha é visto como o começo de uma gloriosa jornada de expansão cultural e religiosa, pra os povos indígenas e africanos, representa o início de um dos períodos mais brutais da história.
O “descobrimento da América”, como é romantizado nos discursos eurocêntricos, foi na verdade o início de uma invasão, marcada por genocídios, destruição de civilizações, exploração e escravização de seres humanos, além de uma vasta campanha de aculturação forçada.
Esse choque violento de culturas resultou na aniquilação de milhões de indígenas e africanos, tanto pela espada quanto por doenças trazidas pelos colonizadores.
No livro “As Veias Abertas da América Latina” de Eduardo Galeano, que citei num artigo aqui do UMASULAMERICANA sobre a Filosofia da Libertação, ele pontua que “a história da América Latina é a história do saqueio, desde o ouro e a prata do Novo Mundo até as riquezas extraídas pelas corporações no século XX”. Isso resume o que o 12 de outubro representou e ainda representa pra muitos latino-americanos.
O site El País publicou em 2016 uma matéria com opniões de jornalistas de diversos países da América Latina sobre o 12 de outubro. Sally Palomino, uma jornalista colombiana, afirma o seguinte:
“Parece haver um consenso entre os professores nos últimos anos de que a chegada de Colombo representou um ‘assalto’ não só contra a riqueza do país, mas também contra seus costumes e a cultura”, e explica também que, “Nas escolas já não se enfatiza a conquista, porque no centro do discurso está a exaltação das raízes culturais. Os alunos fazem representações em que narram a vida dos povos e seus costumes”.
A perspectiva europeia: o orgulho da hispanidade
Na Espanha, o Día de la Hispanidad celebra não só o “descobrimento” da América, mas também o que consideram o ápice de sua expansão cultural e religiosa. Eles celebram a herança espanhola deixada no continente, a língua, o cristianismo e os valores ocidentais, que foram responsáveis por “civilizar” os habitantes originais da América.
Mas o que realmente é celebrado nesse dia? Seria o genocídio das populações indígenas? A imposição de uma fé alheia? A exploração brutal dos recursos naturais e humanos?
Mesmo no século 21, a Espanha ainda celebra essa data como um marco de orgulho nacional. Isso revela, em parte, o quanto as nações europeias não se desapegaram de suas narrativas coloniais e como esses eventos, que causaram dor e sofrimento a milhões de pessoas, ainda são interpretados de forma simplista e heroica.
Essa falta de reflexão crítica sobre o passado colonial é uma ferida aberta, uma cicatriz que sangra nas nações latino-americanas até hoje.
Celebração do 12 de Outubro da Espanha
Na Espanha, o dia 12 de outubro é um feriado nacional marcado por desfiles militares em Madri, com a presença da família real, políticos e altos cargos das Forças Armadas. O objetivo é destacar o papel histórico da Espanha na disseminação da cultura, da religião e da língua espanhola ao longo dos séculos, especialmente nas antigas colônias latino-americanas.
Entretanto, essa celebração é polêmica e tem sido alvo de críticas tanto dentro quanto fora da Espanha. Embora a narrativa oficial valorize o “encontro” entre culturas, muitas pessoas espanholas enxergam o Día de la Hispanidad como uma glorificação do colonialismo e da violência associada à conquista das Américas.
Ressignificação do 12 de outubro na América Latina: da dor à resistência
Por outro lado, os países latino-americanos têm transformado o significado desse dia. Longe de celebrar o “descobrimento”, muitos países usam o 12 de outubro como um momento para promover reflexões profundas sobre os impactos da colonização.
Diversas nações têm renomeado a data pra honrar as indigeneidades e africanidades, reconhecendo o trauma, mas também a luta e a resistência desses grupos.
Na Argentina, por exemplo, o dia foi rebatizado como Dia do Respeito à Diversidade Cultural. Essa mudança reflete o reconhecimento de que as culturas indígenas e afrodescendentes não só sobrevivem, mas enriquecem profundamente a sociedade moderna.
A Bolívia, que é composta majoritariamente por indígenas, denomina a data como Día da Descolonização, uma forma de afirmar que o país rejeita as narrativas coloniais impostas e busca valorizar sua própria identidade.
Já o Equador celebra o Día da Interculturalidade, destacando a coexistência e o diálogo entre as culturas.
No Peru, a data é chamada de Día dos Povos Originarios, um marco da resistência indígena.
Enquanto a Venezuela adotou o Día da Resistência Indígena, enfatizando que essa data é uma lembrança de luta e não de conquista.
A Colômbia mudou o nome da data para Día a Raça, onde o mais importante é exaltar e respeitar a cultura indígena e africana.
Esses países não estão simplesmente renomeando a data como um gesto simbólico mas estão criando um novo espaço pra repensar o impacto histórico e cultural da colonização, buscando conscientizar sobre as culturas que foram marginalizadas por séculos.
O 12 de outubro se tornou assim uma oportunidade pra dialogar sobre os direitos das comunidades tradicionais, promover a consciência intercultural e reconhecer as histórias de resistência dos povos originários e africanos.
Leia também: Reconhecendo Abya Yala: chamamento ancestral pra uma América descolonial
A importância do diálogo intercultural na América Latina
O verdadeiro significado do 12 de outubro na América Latina é, portanto, um chamado à reflexão e ao diálogo. As populações originárias e afrodescendentes, que durante séculos foram silenciadas ou reduzidas a notas de rodapé na história, têm suas vozes finalmente amplificadas.
Como o filósofo Aimé Césaire coloca em seu ensaio Discurso sobre o Colonialismo, “a Europa é indefensável”. A colonização destruiu muito mais do que construiu, e qualquer glória atribuída a ela está inevitavelmente manchada pelo sangue de povos originários e africanos.
Neste sentido, o 12 de outubro na América Latina passou de uma celebração colonial pra uma oportunidade de validar a força e a permanência das culturas indígenas e africanas que enriqueceram e continuam a enriquecer as sociedades latino-americanas.
Essas culturas, longe de serem assimiladas ou apagadas, resistiram ao longo dos séculos e, hoje, são parte fundamental da identidade plural e multicultural dos países da nossa região.
Reconhecendo a dor e honrando a resistência no 12 de outubro na América Latina
Enfim, o 12 de outubro nos obriga a confrontar tanto o passado quanto o presente. Não se trata apenas de uma crítica ao colonialismo, mas também de reconhecer as cicatrizes ainda abertas que ele deixou nas sociedades latino-americanas.
A data oferece uma chance de honrar a dor dos povos indígenas e afrodescendentes, mas também celebrar a resiliência dessas comunidades, que enfrentaram séculos de opressão e ainda assim conseguiram manter vivas suas tradições, idiomas, religiões e modos de vida, que você pode conhecer suleando, viajando pelos países latinos e caribenhos.
Assim, o 12 de outubro não é um dia de celebração, mas sim um dia de resistência e memória. É um dia pra recordar que a América Latina não foi descoberta em 1492 — porque ela já estava aqui, com suas civilizações, culturas e histórias coexistindo. E essas civilizações não foram destruídas por completo. Elas resistiram e continuam a resistir.
Portanto, o verdadeiro significado do 12 de outubro na América Latina não está na celebração de uma cultura hegemônica, mas sim na validação das culturas e tradições que foram forçadas à marginalidade.
Reconhecer a dor do passado é importante, mas celebrar a força da resistência é fundamental. Esse é o verdadeiro espírito do 12 de outubro na nossa América Latina.