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Aborto na América Latina Raízes políticas e panorama regional

Aborto na América Latina: Raízes políticas e panorama regional

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O aborto na América Latina é um tema bastante antigo, com raízes coloniais e bases machistas e misóginas. Enquanto alguns países latino-americanos proíbem o aborto em seus códigos criminais, colocando em risco a saúde e a vida das mulheres, outros estão avançando na legalização e na aceitação do procedimento do interrompimento da gestação.

No Brasil, em pleno 2024, mulheres estão tendo seus direitos ameaçados com a PL1904, uma proposta indecente de lei que criminaliza o aborto após 22 semanas como homicídio e pode condenar meninas e mulheres a até 20 anos de prisão, mesmo em caso de fecundação resultada de violência sexual.

Por outro lado, a Colômbia, recentemente, se juntou a um punhado de países da da América Latina onde a interrupção voluntária da gravidez é legalizada e amparada pelo serviço público de saúde nas primeiras semanas de gravidez.

Mas por que há tantos caminhos contrários sobre o mesmo assunto em nossa região? Vamos refletir juntas sobre aborto na América Latina?

A criminalização do aborto na América Latina e o aborto clandestino

Na América Latina, muitos países têm leis rigorosas que criminalizam o aborto em quase todas as circunstâncias. El Salvador, Nicarágua, Honduras, República Dominicana e Haiti estão entre os países que proíbem o aborto sem exceções, mesmo em casos de estupro, incesto, risco de vida pra a mulher ou malformações fetais graves.

Nessas nações, as mulheres que buscam abortos são frequentemente forçadas a recorrer a métodos clandestinos, que são muitas vezes inseguros e colocam em risco suas vidas.

A criminalização do aborto tem um impacto direto e devastador nas taxas de mortalidade materna. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), complicações decorrentes de abortos ilegais são uma das principais causas de mortalidade materna nestes países.

O aborto clandestino apresenta sérios riscos à saúde e à vida das mulheres, incluindo infecções graves, hemorragias, complicações cirúrgicas, intoxicação, e problemas de saúde mental. A falta de cuidados médicos aumenta os perigos, frequentemente resultando em altas taxas de mortalidade materna em países onde o aborto é restrito.

Na América Latina e no Caribe, cerca de 760 mil mulheres são internadas anualmente devido a complicações de abortos ilegais, e mais de 6 mil morrem como resultado direto dessas práticas clandestinas indiretamente forçadas por um Estado que não governa pra todas.

Estas mulheres que sobrevivem, podem pegar décadas de prisão se acusadas de induzir o aborto – o que acaba muitas vezes culpabilizando inclusive mulheres que sofreram aborto espontâneo. Um show de horror social!

Raízes históricas e culturais na proibição do aborto na América Latina

Influências religiosas

Como países jamais descolonizados, a história da criminalização do aborto da América Latina tem profundas raízes coloniais e forte influência da Igreja Católica.

Como já falei aqui no UMASULAMERICANA no primeiro texto sobre raízes culturais, a violência colonial sobre a espiritualidade e cosmovisão dos povos originários e africanos cometida pela igreja, impôs diversos dogmas cristãos e um deles é a crença de que um feto tem alma.

Essa crença nasceu no cristianismo primitivo, quando Agostinho, um dos mais influentes teólogos e filósofos cristãos, no século 4, chegou a conclusão (baseado nas vozes da cabeça dele) de que a alma seria infundida no 40º dia pra fetos masculinos e no 90º dia pra fetos femininos.

Posso até entender que isso fizesse sentido na época, mas essa influência cristã é a mesma nos dias de hoje, em pleno século 21, permeando a vida política e social dos países da América Latina.

Historicamente, a doutrina católica e evangélica tem pressionado os Estados (que deveriam ser laicos) contra a legalização do aborto, promovendo políticas que refletem essa visão moral e sem nenhum embasamento científico.

Influências machistas

A América Latina é uma região onde o patriarcado, o machismo e a misoginia têm forte influência sobre a sociedade e as políticas públicas, inclusive em relação ao aborto. Assim, se perpetua a cultura de subordinação das mulheres e limita sua autonomia, refletindo assim na criminalização do aborto em muitos países da região.

O machismo promove a ideia de que as mulheres devem cumprir papéis tradicionais, especialmente relacionados à maternidade. Por isso mesmo, nas nas sociedades latinoamericanas há leis que controlam escolhas reprodutivas, restringindo o direito da mulher ao aborto.

Não é por acaso que as leis de aborto na América Latina são criadas e mantidas por homens em posições de poder, refletindo assim uma cultura que busca manter a autoridade masculina e limitar a liberdade das mulheres. Essas leis servem pra punir e controlar as mulheres que desafiam os papéis tradicionais.

Países na América Latina que descriminalizaram o aborto

Por outro lado, alguns países da América Latina têm adotado posturas mais progressistas em relação ao aborto, se movendo em direção à legalização e à garantia do acesso gratuito e seguro ao procedimento. Exemplos notáveis incluem:

  • Uruguai: Em 2012, o Uruguai legalizou o aborto até a 12ª semana de gestação, e o acesso ao procedimento é garantido pelo sistema de saúde pública. Foi então o primeiro país latinoamericano a se flexibilizar em relação ao aborto. Desde então, o Uurguai tem uma das menores taxas de mortalidade materna da América Latina.
  • Argentina: Mais recentemente, em 2020, a Argentina aprovou uma lei que permite o aborto até a 14ª semana de gestação, marcando um avanço significativo pra os direitos das mulheres no país.
  • México: Vários estados mexicanos, incluindo a Cidade do México e Oaxaca, legalizaram o aborto nas primeiras 12 semanas de gravidez. Em 2021, a Suprema Corte de Justiça declarou inconstitucional criminalizar o aborto em todo o país, o que abriu caminho pra a descriminalização em nível nacional.
  • Colômbia: Já em 2022, a Colômbia também descriminalizou o aborto até a 24ª semana de gestação, uma das legislações mais liberais da América Latina.
  • Cuba:Desde a década de 1960, Cuba permite o aborto até a 12ª semana, sendo uma das políticas mais liberais da região.

Nestes países, o acesso ao aborto legal está geralmente facilitado por políticas públicas que garantem o procedimento através dos sistemas de saúde pública. Ou seja, o aborto é gratuito e garantido pelo Estado.

No entanto, persistem desafios, como a objeção de consciência de profissionais de saúde e a desigualdade no acesso, especialmente para mulheres de baixa renda e em áreas rurais.

Países latinoamericanos onde o aborto é proibido sem exceções

Por outro lado, infelizmente, há países na América Latina onde o aborto é totalmente proibido, sem exceções legais, e qualquer tentativa de interrupção da gravidez pode resultar em sérias penalidades legais. Esses países são:

  • El Salvador
  • Honduras
  • Nicarágua
  • República Dominicana
  • Haiti

Nesses países, o Estado é extremamente rigoroso e não permite o aborto sob nenhuma circunstância. Refletindo assim uma postura conservadora, punitivista, misógina e cristã sobre o tema​, caminho pra o qual o Brasil quer caminhar.

Países com condições específicas

Alguns países da América Latina permitem o aborto apenas em circunstâncias muito restritas, geralmente quando a vida ou a saúde da mulher está em risco. Entre esses países estão:

  • Paraguai
  • Venezuela
  • Guatemala
  • Peru
  • Costa Rica

As legislações destes países são bastante restritivas e só permitem a interrupção da gravidez em casos onde há risco significativo para a saúde da gestante​.

Exceções adicionais

Alguns países incluem condições adicionais pra permitir o aborto:

  • Chile, Equador e Brasil: Permitem o aborto em casos de estupro e inviabilidade do feto.
  • Bolívia: Além das condições mencionadas, também se permite o aborto também em casos de incesto.​

Onde brasileiras podem abortar na América Latina

Na Argentina, mulheres estrangeiras, incluindo nós brasieiras, têm acesso aos serviços de aborto legal, independentemente de sua nacionalidade ou status migratório. O sistema de saúde argentino, com serviços públicos e privados, é acessível gratuitamente a estrangeiras, embora o acesso público varie por região.

Por outro lado, no Uruguai, a interrupção voluntária da gestação tá disponível apenas pra estranjeiras que tenham permanência mínima de um ano no país.

Estrangeiras também podem acessar gratuitamente serviços de aborto na Cidade do México e em outros estados onde o procedimento é legal. A documentação necessária é mínima, geralmente requerendo apenas identificação pessoal e, em alguns casos, prova de residência temporária no país.

Por fim, na Colômbia, mulheres estrangeiras têm acesso aos serviços de aborto nas mesmas condições que as colombianas. A documentação exigida inclui apenas identificação pessoal, e não há necessidade de comprovação de residência. E isso sem nenhum custo através do sistema de saúde pública.

Existe uma ONG brasileira que pode te ajudar (ou a alguma mulher que você conheça) a acessar esse serviço. Ela faz ponte entre você e projetos nestes países que atendem estrangeiras que necessitam recorrer ao aborto, inclusive com pouco acesso financeiro. Não quero expor o nome do projeto aqui, mas me manda um email se precisar pra [email protected].

A absurda PL 1904/2024 no Brasil

No Brasil, o debate sobre o aborto é extremamente polarizado. Atualmente, se permite aborto em casos de estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia fetal. No entanto, um projeto de lei recente, a PL 1904/2024, propõe endurecer ainda mais a legislação, criminalizando o aborto mesmo em casos de estupro. Esta proposta é um retrocesso significativo nos direitos reprodutivos das mulheres.

A PL 1904/2024, projeto de lei proposto pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) e assinado por 32 deputados, pretende equiparar qualquer aborto realizado no Brasil após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, inclusive em casos de gravidez decorrente de estupro.

Este projeto de lei viola gravemente os direitos das mulheres, especialmente vítimas de violência sexual, e contraria a constituição de 1940.

A aprovação desta lei obriga mulheres a manter gestações indesejadas, causando assim traumas e riscos à saúde mental, física, social e financeira.

A cultura do estupro no Brasil

Como é que em pleno século 21 o Brasil tá propondo punir vítimas de abuso sexual? Você já parou pra pensar que a população brasileira foi historicamente constituída a base do estupro?

Durante a invasão europeia e a colonização, homens brancos e cristãos estupraram centenas de milhares de mulheres indígenas que eles escravizavam, dando origem às primeiras pessoas “brasileiras”.

Décadas mais tarde, essa sociedade branca, cristã e regida por homens, passou então a sequestrar e a traficar humanos da África pra serem escravizados nas Américas. O Brasil foi um dos países que mais participou desse mercado desumano.

Nesse contexto de opressão, mulheres negras sofreram violência sexual extrema por homens brancos, resultando no nascimento de muitas pessoas brasileiras filhas do estupro.

Durante séculos, essa violência aumentou a população mestiça do Brasil, em grande parte fruto de crimes coloniais e pós-coloniais contra mulheres indígenas, africanas e mestiças.

Um estudo da Genera sobre o DNA da América Latina em 2023, demonstra que a linhagem materna brasileira apresenta maior contribuição indígena e africana (36%). Já a linhagem paterna, ou seja, a herança do pai, apresenta maior contribuição europeia (81%).

Isso pode explicar porque os homens brasileiros estupram uma mulher ou criança a cada oito minutos. Além disso, a presença significativa da bancada cristã na política brasileira contribui pra estagnação do progresso em direção a um Estado laico que governe para todas. Consequentemente, enquanto os direitos das mulheres são continuamente ameaçados, os responsáveis pelos crimes frequentemente permanecem impunes.

Estupro é um crime hediondo que formou a população brasileira, que não só se acostumou a essa violência, como também se esforça pra manter a tradição de violentar mulheres! E pior, nos obriga a parir.

Por isso, a PL1904 é uma afronta à memória das nossas ancestrais e uma ameaça ao futuro das nossas meninas!

A luta feminista pelo direito ao aborto na América Latina

A América Latina, felizmente, é uma região marcada por debates e mobilizações em torno do direito à interrupção voluntária da gravidez, porque há mulheres que estão unidas pra lutar pelos nossos direitos.

Direitos estes que são centrais pra autonomia e saúde das mulheres, mesmo enfrentando à forte influência de valores conservadores e religiosos. Mesmo assim, com tanto desafios, ao longo dos anos, mulheres e movimentos feministas têm alcançado importantes conquistas na luta pelo acesso seguro e legal ao aborto.

As vitórias na Argentina, México e Colômbia, por exemplo, demonstram o impacto do ativismo contínuo e organizado.

Contudo, a luta está longe de terminar, como prova a PL9104/2024. É necessário então continuar a pressionar por reformas legais e políticas que garantam o acesso seguro ao aborto, combater o estigma e desinformação, e assegurar que os direitos reprodutivos sejam reconhecidos como direitos humanos fundamentais.

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Categoria:Política, Pra Pensar
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